segunda-feira, 6 de maio de 2013

Livro do Mês - Maio



Livro do Mês
Maio de 2013


O sorriso de Mona Lisa

Autor: Pedro Teixeira Neves
Referência: 2008, Editora Deriva, Porto
              Páginas: 125


O sorriso de Mona Lisa é um livro de contos que se organizam em redor de dois grandes temas: as artes plásticas, que nos enchem de espanto, e a sociedade, cheia de cicatrizes.
Cada conto é um pequeno mundo em que, subitamente, caímos. A ação é-nos servida muito concentrada. O sabor de cada gesto e de cada palavra é intensificado. É difícil atravessar o campo de minas dos significados explícitos ou implícitos sem detonar algum. O universo, condensado no exíguo espaço de poucas páginas, destabilizado pela ironia, espera o momento do seu big bang.



Excerto:
«Há quem se queixe. Há quem saia para a rua fazendo desfilar a sua indignação ante a injustiça que é estarem a tirar-lhes os empregos. É fácil apontar o dedo. Quando as culpas não são de Bruxelas, são do outro. O Outro, esses, o emigrante, o clandestino, os e negros e os árabes que nos vêm roubar os empregos. Matam-se nas terras deles e depois vêm para cá pôr tudo de pantanas, ameaçar a nossa santa e cristã terrinha. Há quem esqueça, há também quem esqueça os séculos de exploração a que aqueles que agora apontam os dedos submeteram e condenaram os antepassados desses emigrantes. Há quem tenha a memória curta, demasiado curta (…).» (p.102)




Pedro Teixeira Neves nasceu em 1969, em Lisboa.
Cursou Relações Internacionais. Jornalista desde 1994, passou pelo «Semanário», revista «Arte Ibérica», «Agenda Cultural de Lisboa» e revista «Magazine Artes», publicação que fundou e dirigiu desde 2001 até 2008.
Desde sempre, nessas publicações, tem escrito sobre livros. No campo da Literatura, e enquanto autor, publicou o romance Uma Visita a Bosch (Temas e Debates), o livro de poesia Chiasco (Quasi Edições), os livros infantis Histórias Tais, Animais e Outras Mais e Histórias de Patente, com Tenente e Outra Gente (Caminho), o livro de contos O Sorriso de Mona Lisa (Deriva) e o livro juvenil Amor de Perdição (adaptação do título homónimo de Camilo Castelo Branco — Quasi Edições).
Alimenta o blog http://pedroteixeiraneves.wordpress.com
Fonte da nota biográfica: http://www.pnetliteratura.pt/membro.asp?id=12
Foto: http://derivadaspalavras.blogspot.pt/2010/06/asclepio-o-cacador-de-eclipses-pedro.html

Top da Biblioteca - Abril


quinta-feira, 11 de abril de 2013

Livro do mês - Abril 2013 - Uma noite não são dias



Livro do Mês
Abril de 2013
Uma noite não são dias
Autor: Mário Zambujal
Referência: 2011, Editora Planeta, Lisboa
Páginas: 384




Foto de Mário Zambujal, 2012 – fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1rio_Zambujal
Em Uma noite não são dias somos transportados a um retrato possível do mundo na segunda metade do século XXI. Ficção científica com humor? História burlesca alternativa? Fábula para adultos? Profecia de uma vida confortável e sem rumo?...
Como acontece em outras obras de fantasia, os mundos imaginários são um projeção da realidade em que vivemos, um extracto concentrado dos problemas e das dúvidas que vivemos no quotidiano. Os personagens da fantasia são transposições das pessoas dos nossos mundos. Colocando-os em situações mais ou menos diferentes, os autores mostram-nos faces de nós mesmos que nem sempre gostamos de encarar, riem-se do teatro que montamos para nós próprios e no qual chegamos a creditar — terá havido alguma época em que as pessoas não falavam mal umas das outras? Até que ponto é inaceitável um casamento com três cônjuges? Ainda alguém se espanta por haver senhores muito ricos que enganam os outros para ficarem ainda mais ricos?...

Excerto:
«— Olá,Grace.
»São os vizinhos do quadragésimo oitavo, apartamento LN. Três: o advogado Túlio Carolino e suas mulheres, Silvana Lutécia.
»Tornaram-se banais, neste novos tempos, as ligações a três. E se Túlio tem duas parceiras, dona Teodorina, moradora em frente, dispõe de uma dupla de prestáveis maridos. Correm rumores de que os sova com um cinto cravejado de caricas de cerveja mas não é certo. Estranhamente, nestes meados do século XXI, Portugal transformou-se num lugar de boatos e maledicência. Os mais velhos dizem ter saudades das épocas em que ninguém dizia mal de alguém. Agora é o que se vê (…) Uns dias antes comentava-se que a ministra dos Cofres do Estado passava demasiados fins-de-semana em Xangai. Com quem? — era a maldosa interrogação. Nem tudo, porém, são notícias de fediver. Um naipe de banqueiros, gente de primeira fila social, é acusado de depósitos excessivos nas suas próprias contas e senhores de fortunas gordas vêm os seus nomes badalados pela suspeita menor de golpearem o fisco.»

Mário Zambujal fez carreira como jornalista, tendo trabalhado em vários jornais famosos no seu tempo: O Século, Se7e, Tal & Qual, e 24 horas. Para além destes, trabalhou no Record, no Diário de Notícias, na Rádio Comercial e na RTP.
Em 1980 publicou Crónica dos bons malandros, a primeira das suas, até agora, onze obras de ficção.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Livro do Mês: Fevereiro de 2013





Livro do Mês
março de 2013


O varandim, seguido de Ocaso em Carvangel


Autor: Mário de Carvalho
Referência: 2012, Porto editora, Lisboa 
Páginas: 220 
ISBN: 978-972-0-04412-9


 

 
O autor: Mário de Carvalho é um autor incontornável da língua portuguesa. A sua escrita é rendilhada, intemporal e exigente. As suas ficções são lúcidas, inteligentes e interpeladoras. Deliciam e, ao mesmo tempo, incomodam, obrigando-nos a procurar os problemas com que suavemente nos acariciam.

O seu livro O varandim seguido de O caso Carvangel inclui duas histórias cuja ação decorre num século passado e numa região imaginária onde os nomes têm ressonâncias germânicas.



A obra
Svidânia é uma cidade acidentada, encavalitada nas montanhas. O ar húmido e bolorento cheira a suspeita e a conspiração. Ergue-se um estrado que espera a execução de uma sentença de morte. A opressão entra-nos pela pele enquanto esperamos os próximos acontecimentos na atmosfera de salas escuras e silenciosas, de ruam frias e lamacentas.

«Bernardo foi o primeiro a sair, impondo-se o corpo ágil e tenso aos jesuítas. Dentro em pouco, todos os passageiros da primeira classe se juntavam aos soldados e viajantes do tejadilho, formando um grupo apinhado e compacto atrás do cocheiro e ajudante, desbarretados e respeitosos. A rapariga desistiu das aparências e apoiou-se, com determinação, no braço de Gaudner. Todos contemplavam, fascinados, o espectáculo que se lhes oferecia, sob a velada palidez de um quarto minguante macio.
»Para diante do claror dos fanais e da vela discreta que mal alourava os vidros, a poucos passos dos cavalos, que deixavam pender as cabeças, em submissão, despontava o eriçamento escuro duma massa circular de animais que pareciam dispor-se concentricamente, até onde os olhares podiam alcançar.
»— Cães? — atreveu-se Gaudner a sussurrar.
»— Mabecos! Disse o cocheiro rapidamente, virando apenas meia cara.
As respirações de milhares de canídeos bafejavam o silêncio como um indeciso murmúrio de maré, muito distante. Todos os viajantes estavam transidos de medo e de expectativa.»

Top Leitor - Fevereiro


domingo, 3 de fevereiro de 2013

Livro do mês - Fevereiro 2013


O livro dos homens sem luz

João Tordo

Edições D. quixote 2010, 10ª ed.




No vasto mundo da literatura há espaço para muitos estilos. Alguns obrigam-nos a ser corredores de fundo, atletas de alta competição da língua, e para eles vai o nosso louvor, porque perpetuam o vocabulário que sacrificamos nos dias comezinhos da nossa vida quotidiana. Outros, com a sua simplicidade, como muita da literatura juvenil, também merecem o nosso louvor, porque são eles que nos abrem as portas do palácio em que lemos por prazer e mergulhamos em excitantes aventuras.
João Tordo, por sua vez, pertence a uma outra classe: cativa-nos com um estilo simples e enxuto, que não nos obriga a reler várias vezes a mesma frase, para nos levar, antes que nos apercebamos, daquilo que na nossa vida dá que pensar. O seu estilo recorda-nos Lev Tolstoi, George Orwell, Paul Auster, que procuraram usar a transparência máxima das palavras para, através delas, nos mostrar tanto as interrogações como os lampejos de beleza que, quando abrimos os olhos do pensamento, encontramos na nossa própria vida.

Excerto da obra (páginas 142-143)
Eram três mulheres e dois homens, e todos usavam roupas leves e coloridas, como se a sala pertencesse a uma outra estação do ano. Os dois homens eram quase idênticos, de cabelos lisos que reflectiam a luz como espelhos negros, lábios carnudos que se abriam em sorrisos inocentes e vozes suaves e efeminadas. Elas sentavam-se do lado oposto da mesa e tinham peles tingidas e rostos redondos e meigos. Eu e Victor ficámos na esquina da mesa, um tanto afastados, e escutámos durante algum tempo uma conversa numa língua estranha que nenhum de nós soube identificar.
«Não te assustes, isto é mesmo assim», disse Victor baixinho. «A minha amiga Zehra explicou-me que eles estão a ser iniciados.»
«Iniciados?»
«Olha para eles», segredou-me ao ouvido. «São puros. Ainda não foram tocados. Acabaram de chegar a Londres. É a primeira noite que passam na companhia de mulheres.»
«É um ritual de acasalamento?»
«Não, do acasalamento há-de tratar a família. O que se passa a qui não pode sair desta sala. Se os pais deles soubessem, nunca mais os deixavam entrar em casa. O que estão a fazer é proibido.»
«Queres dizer que é ilegal?»
O cotovelo de Victor pressionou-me as costelas.
«Não digas isso. Não é ilegal, é apenas contra a tradição. Vê a coisa desta maneira: existem deuses em jogo, e também existem demónios. Puxam para lados diferentes. Para o resto da vida, esta gente vai acreditar na santidade do matrimónio e na pureza espiritual. Esta noite é uma passagem para um lugar que eles desconhecem e ao qual não poderão regressar.»
«O que é aquela coisa no meio?»
«Aquilo», disse Victor, arregalando os olhos, «é a porta para o além» (…)




 "Nasceu em Lisboa a 28 de Agosto de 1975,[1] filho do cantor Fernando Tordo. Formou-se em Filosofia e estudou Jornalismo e Escrita Criativa em Londres e Nova Iorque. Trabalha como guionista, depois de ter passado pelo jornalismo, tendo publicado, entre outros, n' O Independente, Sábado, Jornal de Letras, ELLE e a revista Egoísta. Escreveu, em parceria, o guião para a longa metragem Amália, a Voz do Povo (2008). Foi vencedor do prémio Jovens Criadores em 2001. Publicou cinco romances, O Livro dos Homens Sem Luz (2004), Hotel Memória (2007), As Três Vidas (2009), O Bom Inverno (2010) e Anatomia dos Mártires (2011). Venceu o Prémio José Saramago com o romance As Três Vidas. Foi finalista dos prémios Portugal Telecom, Fernando Namora, Melhor Livro de Ficção Narrativa da SPA e do Prémio Literário Europeu." Foi recentemente publicado o seu novo romance, O Ano Sabático.


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